"- O que está acontecendo? Nunca vi esse seu lado..."
"- Não mesmo, ninguém viu. Nem eu", ele pensou apenas, não teve a coragem ou o saco pra dizer isso, apenas virou as costas, sem hesitar, sem olhar para trás.
Sempre tão racional, Henrique não acreditava que estava, de fato, largando tudo. Mas pensou bem... "Tudo? Larguei apenas o emprego dos sonhos... dos outros". Tirou a gravata que o apertava, entregou o terno para aquele senhor que estava sempre em frente ao prédio da empresa, pegou seu carro, ligou o som no volume mais alto possível, nem lembrava que o som era tão potente assim. Cantou, chorou, riu, gritou, ficou em silêncio, cantou de novo, chegou em casa... Ninguém para dar satisfação. Os pais moravam no interior desde que se aposentaram, os irmãos todos casados e ele, sempre tão focado no trabalho, tinha tudo o que sempre quis, mas nada do que sempre desejou.
Correu pro quarto, antes de fazer a mala, sentou perto da cômoda e começou a escrever. Ele não sabia ainda o motivo pelo qual escrevia aquela carta, não sabia se entenderiam como um ato de coragem ou como apenas um de seus delírios tantos. Cansado das mesmas coisas e pessoas, ele aceitou dar um respiro de tudo. Ia se jogar no mundo, colocar uma mochila nas costas, sacar todo o dinheiro da poupança e, sem o medo de antes, cair na estrada. Ela iria com ele. Ela, a mais corajosa de todas, a mais bonita, a melhor amiga... Demoraram anos, mas ele realizaria o sonho que eles partilhavam quando adolescentes. Anos depois ele disse sim para o convite que ela havia feito numa noite quente de novembro: "Vem comigo?".
Ela, o sossego dele. Ele, o sufoco dela. E eles se acompanham, finalmente.
"You’ve gotta live your life
While your blood is boiling
Those doors won’t open
While you stand and watch them"
***
Um comentário:
"'On the road' e coisas desiguais".
Postar um comentário